Como fica a carga horário de trabalho de jornalista na pandemia

por Idalina de Castro
Jul 26, 2021 en Reportagem sobre COVID-19
Mãe com celular e filhos em volta

A pandemia pegou todos de surpresa obrigando a uma readequação do cotidiano. No caso dos jornalistas, na linha de frente em busca da informação, grande parte desses profissionais foram mandados para o home office ou teletrabalho, modalidade que possibilitou desenvolver as atividades laborais da própria residência. 

Mas o que era para ser solução gerou mais problemas, como o aumento da carga horária e as consequências advindas dela. É o que aponta a Federação Nacional dos Jornalistas Profissionais – FENAJ, em pesquisas realizadas para conhecer os efeitos nas relações e condições de trabalho dos jornalistas na pandemia.

“O resultado é alarmante, os profissionais sentiram aumento da pressão no trabalho e cerca de 4 mil tiveram alterações nos contratos com redução de salários e suposta redução da carga horária, que sabemos não ocorreu”, alerta a presidente da entidade, Maria José Braga. Ela explica que as denúncias são feitas aos Sindicatos de Jornalistas Profissionais, entidades de base da categoria nos estados.

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Jornalista com jornada tripla

Com a casa transformada em redação, o jornalista estourou o próprio deadline. É o caso de Fernanda Santos, de 33 anos, de Goiânia, que atende dois veículos, além de ser mãe em tempo integral de um bebê de 8 meses. Em trabalho domiciliar, ela acumula uma carga semanal de 55 horas.

“Me dedico em primeiro lugar ao meu trabalho, a principal fonte de renda da casa, mas tenho a sorte de ter um marido com mais tempo para cuidar das tarefas e do nosso filho, quando não estou disponível”, diz ela. Fotógrafo de eventos, o marido da jornalista teve a profissão afetada pela pandemia.

Santos conta que recebe as pautas bem definidas dos veículos no começo do expediente com o deadline previsto. “Não tenho como não ter disciplina, pois preciso entregar o material no horário marcado”, observa.  Ainda assim, ela explica que o trabalho impregnou na casa. “Eu durmo e acordo pensando nas pautas, no que tem que ser feito e aí fica difícil desapegar. Por consequência, me sinto sobrecarregada”.

O lado positivo do trabalho em domicílio é economizar com combustível, pois a família mora em uma chácara na zona rural de Goiânia e ela se deslocava de carro para o trabalho. Mas a conta de luz aumentou e foi preciso investir em melhor internet para ganhar agilidade no trabalho, que desenvolve com o próprio celular e notebook. “Para mim o home office é bom por não precisar ficar longe do meu bebê  e poder trabalhar em roupas confortáveis”, resume.

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Cláusula sobre teletrabalho é recusada pelos sindicatos patronais

Segundo Maria José Braga está se comprovando que o teletrabalho sobrecarrega os profissionais, e mais ainda a mulher. “A pressão é aumentada especialmente nas mulheres, em razão das demandas domésticas, cuidados com filhos, pessoas idosas”.

Os jornalistas reclamam nos sindicatos de falta de respeito à carga horária e ao tempo de trabalho estabelecido. Afinal de contas, o profissional fica ligado o tempo todo, seja para atender demandas precisas ou acompanhando mensagens e discussões em grupos de trabalho.

No caso de Goiás, onde Santos mora, o presidente do Sindicato do estado, Cláudio Curado, diz que as reclamações que chegam vão de assédio moral a aumento de carga sem a devida remuneração a ofertas de vagas com carga fora da legislação vigente. Ele diz que o Sindicato atua pontualmente, “mas cabe ao jornalista não se deixar explorar”. E completa: “devemos pensar também que a situação financeira leva muitos a passar por cima de seus direitos para sobreviver, pois a situação está trágica”.

O coordenador-geral do Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal, Silvio Queiroz, reclama: “Estamos tentando incluir na convenção coletiva, cláusula específica sobre o teletrabalho, pelo segundo ano consecutivo, mas esbarramos na recusa dos Sindicatos Patronais”. Ele explica que a maioria das reclamações dos jornalistas de Brasília são sobre abusos na carga horária e situações de baixa salubridade. Em geral, feitas em caráter não oficial porque os profissionais temem perder os empregos. A entidade filtra pela Ouvidoria e encaminha os casos para as negociações.

De acordo com Queiroz, as principias medidas de proteção à categoria na pandemia foram solicitadas aos empregadores, em março de 2020, quando foram elencados os possíveis principais problemas a serem enfrentados. “Seis casos resultaram em audiências com as empresas intimadas a cumprirem as exigências obrigatórias estipuladas”, relata.

Segundo a FENAJ, os Sindicatos de Jornalistas do país inteiro tentaram discutir as condições do trabalho em domicílio com os patrões no começo da pandemia. “Mas não tivemos sucesso em estabelecer regras gerais nem mesmo uma compensação financeira pelos custos que os profissionais passaram a ter”, lamenta Braga. 

A experiência atual jogou por terra a idealização do teletrabalho, por se mostrar desfavorável aos profissionais. “Não vislumbramos pontos positivos em geral. Pode ser que atenda a alguns com necessidades específicas, mas, no geral, tem se mostrado nocivo inclusive à saúde emocional da categoria”, diz Braga.

Ioga para manter o equilíbrio

Há um ano e meio trabalhando em casa, Sabrina Gonçalves, de 39 anos, assessora de imprensa em gabinete no Congresso Nacional, resolveu romper com a rotina pesada e ganhou mais autonomia. Ela conta que conseguiu criar uma rotina de exercícios físicos e ainda cozinhar. “São coisas que eu não faria antes do home office, com a diferença que agora eu me programo melhor e ganhei em qualidade de vida”.  

Gonçalves ainda dá aulas de ioga duas vezes por semana. “O ato de ministrar a ioga e saber que estou levando equilíbrio a outras pessoas me desconecta da correria do mundo", diz. As atividades alternativas entram na rotina da profissional para ficarem de vez: “A pandemia me ensinou que tudo é uma questão de prioridades e agora eu sou a minha prioridade.”

 

Foto: Vitolda Klein on Unsplash

Idalina de Castro é jornalista freelancer e revisora de textos. Atualmente é assessora de imprensa no Senado Federal. Especialista em Análise e Políticas Públicas pela UnB e em Avaliação de Políticas Públicas pelo ILB. Mestranda em Processos Legislativos.