A ditadura militar em Sergipe

Dec 20, 2024 in Reportagem de crise
Livro sobre ditadura

Os acontecimentos que deflagraram no Brasil a prisão do general Braga Netto e o inquérito da tentativa de golpe de Estado em 2022 evidenciaram os perigos dos flertes do antigo governo com a ditadura militar. Conhecer os horrores do período, ainda negado e invisibilizado por parte dos membros do Estado e da sociedade civil, é fundamental para fortalecer a nossa democracia fragilizada.

O livro “Borracha na cabeça: o golpe e a ditadura militar em Sergipe", da Mangue Jornalismo, conta 22 histórias. “Reunimos elementos para fazer as reportagens e percebemos que existia um mito local de que não houve ditadura em Sergipe”, destaca Cristian Góes, jornalista e editor-chefe do jornal, que a convite do Fórum do IJNet trouxe detalhes da apuração. É o que você acompanha na entrevista com Daniel Dieb e no resumo, na sequência.

 

Comissão da Verdade em Sergipe

Os 60 anos do golpe, completados neste ano, fizeram o pessoal da Mangue Jornalismo se voltar para a realidade local. “Os registros ficam muito no circuito Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília. Mas o que sabemos da ditadura em Sergipe?”, questiona Góes. A baixa notoriedade dos casos impulsionou a investigação que descobriu um relatório da Comissão Estadual da Verdade de Sergipe com mais de 500 páginas e não publicado por pressões políticas. No site do governo federal é possível checar as comissões estaduais existentes.

O documento foi revelado à Mangue por um ex-preso político, Marcélio Bonfim, que acompanhou de perto o trabalho da Comissão, a última dos estados a ser criada, fruto da pressão social.  “A atual investigação do Ministério Público Federal deve render uma ação civil pública contra o governo pela não implementação das 20 recomendações do relatório, uma delas a sua publicação e distribuição”, acrescenta Góes.

A partir da descoberta do documento, a Mangue passou a publicar semanalmente reportagens que foram reunidas em livro: “Borracha na cabeça: o golpe e a ditadura militar em Sergipe". Góes ressalta a importância do relatório. “Acolhemos a cronologia utilizada nele, de 1947 a 1987. O primeiro caso do livro é sobre o assassinato de Anísio Dário, um operário negro do partido comunista em 1947, pela polícia militar, durante uma manifestação”, explica o jornalista.

O projeto contou com uma vaquinha virtual, além do apoio do Sindicato do Fisco de Sergipe, da Associação dos Docentes da Universidade Federal de Sergipe e do Sindicato dos Professores da Rede Estadual e Municipal que irá distribuir o livro nas escolas.

Mais de 100 presos políticos

O livro levou mais de um ano para ser apurado. As pesquisas revelam acontecimentos pouco conhecidos. “Tem um memorando do consulado dos Estados Unidos, em Salvador, que acompanhou de perto os movimentos de resistência em Sergipe e ajudou no processo de repressão”, afirma o jornalista.

A investigação chegou a documentos sobre a expulsão e prisão de padres e freiras considerados divulgadores do comunismo. E descobriu ainda que, no final dos anos 60, militares infiltrados gravavam a reunião de trabalhadores rurais sem terra no Baixo São Francisco e a existência de mais de 100 presos políticos no estado.

A resistência do jornalismo independente

O jornalista explica que a Mangue surge em 2023 para tratar das questões pouco reveladas pela imprensa por limitações locais e interferências na apuração. “Quem vive de jornalismo independente, vive de resistência. Tem sido uma experiência difícil, mas extremamente valorosa com companheiros e companheiras que se dedicam, muitas vezes, recebendo pouco".

Góes afirma que o coletivo sobrevive sem a publicidade pública e privada, o que garante a liberdade editorial. “Por isso, buscamos editais e contamos com o apoio dos leitores. Temos a campanha de assinatura e e-book. Quem colaborar com R$ 100,00 para a manutenção do jornal, ganha o livro”.

Além dessas alternativas, ressalta a necessidade da prestação de contas pública e da criação de um conselho externo de leitores para avaliar o trabalho. “Muito mais que uma educação midiática, é fundamental a educação jornalística. Compreender que as pessoas são atrizes e atores do jornalismo e influenciam no processo da construção e do dizer jornalismo”, destaca. A estratégia aproxima o público. “É urgente e necessário esse jornalismo que cria relação com as pessoas".

Ainda sobre o livro ele diz: “O livro e o relatório são janelas e portas abertas para ampliar essa discussão. Não temos a pretensão de que seja a história encerrada, têm muitas histórias não contadas".


Foto: Arte de divulgação do livro