Jornalistas e comunicadores do Rio de Janeiro unidos contra a tuberculose

Oct 20, 2024 in Jornalismo colaborativo
Grupo Criar Brasil

Assistentes sociais, coordenadores de projetos sociais e  jornalistas se dividem em grupos no auditório do Laboratório Central de Saúde Pública Noel Nutels, no centro da cidade do Rio de Janeiro, uma instituição vinculada à Secretaria de Saúde do Governo do Estado. Entre gritos de empolgação, a ideia em discussão está pronta pra ser posta em prática, mas não sem antes os presentes ensaiarem a coreografia. Várias pessoas  sobem no palco para cantar: “A Tuberculose está no ar, ela ainda pode te pegar”.

Estão todos animados para a campanha de conscientização se espalhar. É desse jeito descontraído que essa oficina, a primeira de uma série, tenta tratar de um assunto muito sério: informar a população de favelas e periferias com o objetivo de impedir o avanço da tuberculose. 

Agência de comunicação popular 

Nas oficinas, é feito o que se chama de tempestade de ideias depois de aulas básicas como técnicas de audiovisual, que pode incluir a produção de mini podcasts, roteiro e edição de vídeos curtos, material impresso e hot-sites, voltados para o tema da tuberculose. O auditório do Noel Nutels se transforma, por algumas horas, em uma grande agência de comunicação. Até uma mini vídeo-novela pode ser uma possibilidade.

O trabalho é liderado pela ONG Criar Brasil, uma instituição já com 30 anos, que reúne uma ampla rede de comunicadores populares e instituições da sociedade civil para pautar ações como essa, que começou em julho deste ano. O primeiro passo foi um mapeamento que gerou a identificação de mídias comunitárias e populares da cidade do Rio, da Região Metropolitana do Estado e da Baixada Fluminense.

Propostas midiáticas para o público alvo

A segunda etapa foi a formulação de propostas midiáticas e como elas serão implementadas nos territórios. Nesse caso, as ações em campo contarão com a ajuda de profissionais de saúde, como a assistente social Fabíola Soares, uma das autoras da dança e música apresentadas na primeira oficina.

Moradora do bairro da Freguesia, zona oeste do Rio, Soares disse que não pensou duas vezes na hora de criar a performance: “Hoje em dia, esse tipo de dancinha em redes sociais como o TikTok possui alcance muito maior e mais rápido para disseminar informações em comunidades pobres. A legenda com a letra da música só ajuda nessa rapidez”.

Panfletos e carro de som

Em comunidades economicamente vulneráveis, onde muitas vezes o pacote de dados de internet móvel é precário ou praticamente inexistente, mídias analógicas ou físicas, como panfletos, podem funcionar melhor do que as digitais.

Nada impede o uso da criatividade. Vale a pena procurar a rádio comunitária local ou alugar um carro de som, que pode circular nos bairros populares a cada meia hora, por um determinado período de tempo para não incomodar os vizinhos. E como bem lembra Soares: "Não podemos nos esquecer de pedir permissão aos 'donos do morro'. Porque senão nada disso poderá ser feito”. 

A jornalista Adriana Maria é uma das coordenadoras da Criar Brasil e acompanha graves emergências de saúde pública e já desenvolveu outros projetos com foco no enfrentamento à tuberculose. Ela avalia a eficácia dos meios de comunicação comunitários: “Sabemos que a comunicação popular e periférica alcança os territórios de maneira muito eficiente", diz Maria. "É importante ressaltar que cada comunicador e comunicadora que participar da oficina de capacitação em comunicação será um potencial multiplicador de informações sobre prevenção e tratamento da tuberculose”.

Violência ubana dificulta acesso a tratamento 

Dados da Secretaria de Saúde do Rio de Janeiro aponta que o estado tem a terceira maior incidência de casos de tuberculose do país e a segunda maior mortalidade pela doença. Entre os fatores determinantes estão: condições inadequadas de moradia, falta de saneamento básico, insegurança alimentar, condições socioeconômicas desfavoráveis, baixa empregabilidade e acesso dificultado à educação. 

                                                                                                                        A sanitarista Anna Carolina de Souza Nóbrega é responsável pelo monitoramento das ações de controle da tuberculose das cidades de Mesquita, Queimados e Rio de Janeiro, que estão entre os municípios prioritários para as ações do Plano de Enfrentamento da Tuberculose da Secretaria de Estadual de Saúde. “Más condições de moradia, podem aumentar o risco da exposição ao agente causador da doença, principalmente pela pouca ventilação e aglomeração nesses locais", explica Nóbrega. "O acesso dessa população aos serviços ainda é muito dificultado por conta da violência nos territórios, fazendo com que o acesso às unidades de saúde seja mais difícil”.

Jornalismo que salva vidas

Nóbrega não tem dúvidas de que o jornalismo em saúde é capaz de conscientizar e salvar vidas: “O jornalismo desempenha papel estratégico na comunicação como forma de garantia de acesso às informações de saúde. Informar sobre a doença contribui na redução da incidência e diminuição da mortalidade”.

Julia da Mata tem a mesma percepção. Ela é doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação em Saúde (PPGICS) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e jornalista do Observatório do SUS. Ela dá um exemplo: “Iniciativas como o Painel Unificador Covid-19 nas Favelas, que se baseia em fontes comunitárias para consolidar dados que devem orientar ações de saúde pública, se juntaram a outras como o jornal Maré de Notícias e a ONG Voz das Comunidades e demonstraram a força da comunicação popular em territórios onde o Estado praticamente só se faz presente por meio do aparato militar”.

Para a jornalista, no entanto, estas ações não podem isentar o Estado de sua responsabilidade em promover políticas públicas que garantam a saúde e a democratização da mídia. “A tuberculose é uma doença historicamente associada à pobreza e exclusão social. Embora haja avanços na prevenção e tratamento, ela permanece endêmica, especialmente em grupos vulneráveis", diz ela. "A baixa cobertura midiática e a percepção de que é uma doença do passado contribuem para essa negligência”.


Foto: Arquivo da ONG Criar Brasil 


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