Ex-capitão do Exército agora presidente do Brasil, Jair Bolsonaro (sem partido), explicitamente defensor de medidas mais extremas nas políticas de segurança pública, ao mesmo tempo que subtrai relações mais cordiais com a mídia, evidencia alguns elementos que moldam seu perfil ideológico. Entre eles: o seu fervor por uma guinada mais extremada das polícias, tanto civil quanto militar, e das Forças Armadas no combate à criminalidade, sem preocupação com o potencial crescimento de vítimas negras, pobres e faveladas que podem advir deste radicalismo institucional.
Embora esteja experimentando consideráveis índices de rejeição ao seu modo de comandar o país, o discurso belicoso do presidente da República pode ter influenciado uma espécie de blindagem na forma como órgãos de segurança país afora se dispõem a fornecer informações a jornalistas, especialmente os que se propõem a narrativas mais críticas.
Transparência pública comprometida
Quando perguntada se era possível fazer um parâmetro sobre o antes e depois da Era Bolsonarista, no que se refere a obter informações, personagens, fontes e dados de órgãos ou instituições ligadas à Segurança Pública, a colunista Cecília Olliveira, do site El País, afirma que o negacionismo anti-ciência não foi maléfico apenas na saúde pública no que diz respeito ao combate à propagação da pandemia.
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“A transparência pública foi muito comprometida. Dados foram perdidos, metodologias alteradas e documentos colocados sob sigilo por até 100 anos. Isto, no âmbito da esfera federal, mas que acaba por influenciar decisões estaduais e municipais”, responde Olliveira. “Lido muito com agentes públicos de segurança. Alguns, que já eram de direita, porém ainda adeptos do diálogo. Agora se radicalizaram. Isso inviabilizou, em certa medida, a manutenção do contato.”
Justificativas esdrúxulas
A editora Paula Bianchi, do site Intercept Brasil, tem uma visão pessimista, ao fazer um breve balanço sobre um dos mecanismos legais criado no governo Dilma Roussef para regulamentar o direito dos cidadãos ao acesso às informações de órgãos e entidades ligados ao poder público: a Lei de Acesso à Informação (LAI).
“No meu trabalho, a principal diferença é o retorno de dados da LAI, que ficou muito pior e, me parece, que só tende a piorar ainda mais”, diz Bianchi. “A PM do Rio em si, desde antes da era Bolsonaro, já era pouco afeita a responder questões e sempre escrevia apesar deles. Mas, nacionalmente, era possível obter dados que hoje são negados com frequência com justificativas esdrúxulas”.
Coletar e checar dados de segurança pública é outro desafio que Bianchi observa nesses tempos de obscurantismo da verdade e da desinformação como método e política de governo.
“Apesar das fontes em off serem muito importantes na cobertura de segurança pública, dado a sensibilidade e risco de vida envolvidos em diversos relatos, em um mundo tomado pelas fake news mais do que contar algo, é preciso mostrar provas de que aquilo de fato aconteceu”, explica Bianchi.
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Sem resposta das autoridades
Sobre os prazos de fechamento de matéria, Bianchi diz: “Com frequência tenho publicado histórias sem o lado das autoridades, que acabam, apesar de consultadas antes, se manifestando apenas após a publicação. Aconteceu, por exemplo, na reportagem da “Casa de Vidro” (https://theintercept.com/2021/04/24/grampos-comparsas-miliciano-adriano-da-nobrega-bolsonaro/) . O Ministério Público não nos retornou antes da publicação, mas depois da repercussão da reportagem disse que não tinha informações a respeito".
Cecília Olliveira, do El País, é mais enfática: “A não-resposta é uma resposta. E faço questão de apontar que o poder público optou por não responder e que isso é uma forma de esconder informação”.
Leonardo Coelho é jornalista freelancer, com várias reportagens para a Ponte Jornalismo. Ele enxerga com naturalidade a presença de lacunas que podem interferir ou não no objetivo final da narrativa. “Geralmente minhas pautas de segurança pública tendem a ser extremamente reativas, expondo algo que aconteceu há algumas horas. É absolutamente comum lacunas no texto final dado à não resposta de órgãos de segurança. Busco sempre complementar com as vítimas e as testemunhas”, explica Coelho.
Coelho já sofreu ameaças online. “Foi durante apuração de matérias relacionadas à segurança pública sobre fóruns online, os chamados chans (que, nesse caso, costumam reunir disseminadores de ódio). Encontraram meu site e fizeram um doxxing (revelação de informações pessoais sobre alguém na Internet) para que meus dados fossem usados por trolls (indivíduos que usam as redes sociais para ofender, ameaçar e perseguir pessoas que pareçam vulneráveis)”.
Fabio Leon escreve sobre Direitos Humanos, Segurança Pública e Violência de Estado há 10 anos. Atualmente é coordenador de comunicação do Fórum Grita Baixada e repórter especial do site de notícias Rio On Watch.