O Brasil lidera (e muito) o ranking de imigrantes em Portugal de acordo com o último relatório publicado em junho deste ano pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) do país: a nacionalidade brasileira representa 27,8% do total da comunidade estrangeira residente, o percentual mais elevado desde 2012. Para se ter uma ideia, o segundo lugar é do Reino Unido, que retém apenas 7% do total. Estão em Portugal hoje cerca de 184 mil brasileiros, de acordo com o SEF.
Conversamos com três jornalistas brasileiros que vivem no país. Eles contam um pouco sobre as experiências profissionais e alguns desafios para recomeçar a profissão em outra cultura.
A cearense Caroline Ribeiro, chegou em Lisboa há 5 anos para fazer um mestrado na área de comunicação. Três meses depois sentiu falta da adrenalina de uma redação e conseguiu um estágio na TVI, um canal de televisão local. “O meu foco era só o mestrado, mas logo, deu vontade de voltar a trabalhar”, diz Ribeiro, que compara o trabalho nos dois países: “O tempo do jornalismo aqui é diferente por características históricas. No Brasil a notícia é mais imediatista. Em Portugal sempre tem uma reportagem fria na programação”.
No Brasil, Ribeiro foi apresentadora da afiliada da TV Globo, no Ceará. Atualmente é coordenadora de comunicação no terceiro setor, no Instituto Brasil-África e freelancer da TV Cultura. “Sinto saudade de estar mais no dia a dia, no ritmo de uma redação de TV” diz ela, “Enviei muitos currículos, atendia todas as exigências e não me chamavam. Acho que Portugal tinha que bancar mais as diferenças linguísticas”.
Mas foram exatamente as diferenças que fizerem o mineiro de Belo Horizonte Mamede Filho, há 7 anos em terras lusitanas, investir no jornalismo português. No Brasil ele chegou a trabalhar na SportTV e cobrir Copa do Mundo. Um ano depois do mestrado em Portugal, que foi pago com o aluguel do apartamento no Brasil, ele decidiu estudar melhor o jornalismo português para entendê-lo. “O português é diferente. A realidade local também. Então, li muito todos os jornais e revistas. Foi um choque de realidade! Muitos brasileiros vêm pra cá achando que o português é um facilitador. Só que aqui, eles dizem que a gente fala brasileiro”.
O investimento deu certo. Filho começou fazendo freelas para a BBC Brasil. Em seguida, conseguiu um emprego na Sport TV+ de Portugal, onde está há 5 anos. “Comecei como produtor de informação, virei editor e agora estou como editor chefe”, explica o jornalista, “Eu escrevo o português de Portugal e trabalho com portugueses diariamente. Na minha equipe, sou o único brasileiro”.
Luiza Ramos sabe bem essa diferença no português. A voz que conquistou os ouvintes, no trânsito do Rio de Janeiro, pelas frequências das rádios Band News, Manchete e outras, passou por dificuldades por causa da língua. Ela e o marido decidiram pela cidadania portuguesa há 3 anos.
“O Rio de Janeiro estava super violento. Então, decidimos vir”, diz Ramos. “O meu primeiro trabalho foi mediação de conteúdo para uma empresa internacional. Mediava fake News e muitos vídeos pesados. Depois de um ano e meio, saí com crise de ansiedade”.
Quando chegou a pandemia, Ramos e o marido decidiram morar em Braga, que fica a duas horas de Lisboa e tem um custo de vida mais baixo. “Fui trabalhar em call center e desenvolvi um projeto de rádio chamado Maracangalha. De músicas brasileiras e com curiosidades sobre elas.” Mas o projeto não era remunerado e Ramos explica que não vingou. Hoje ela é redatora e tem um programa de rádio, chamado “Esqueceram de mim Portugal”, na Sputnik, onde faz reportagens diárias.
“Estava com medo de perder a minha carreira. Em Portugal, o mercado é fechado, infelizmente. Acredito que isso deva mudar”, avalia Ramos. “Com a internet, a linguagem está mais internacional e os diferentes sotaques estão espalhados pelos noticiários. É importante a informação ser global”.
Os jornalistas entrevistados listam as dificuldades: “Não é fácil recomeçar no jornalismo fora do seu país, sem a rede de apoio e agenda de contatos. É algo cansativo e cheio de desafios”, diz Ribeiro. “Em Portugal, o tempo de resposta de um entrevistado e de uma fonte é mais lento. Já tive resposta que levou uma semana”, conta Ramos.
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Para atuar na profissão em Portugal, não é necessária uma autorização. Sendo residente ou tendo cidadania europeia, é possível ser contratado ou emitir recibos como prestador de serviço. No caso dos nossos entrevistados, Ramos e Filho são cidadãos e Ribeiro é residente.
Durante a pandemia, eles sentiram mudanças. “Eu não tenho mais estúdio para gravar, faço tudo de casa. Um desafio para manter o áudio com qualidade. Tudo precisa passar por um tratamento na edição”, diz Ramos.
“Eu acho que grandes tragédias acabam facilitando o jornalismo. As pessoas precisam consumir informação e o jornalismo se torna mais relevante” pondera Filho, “O posicionamento na pandemia é uma forma de expressão e um papel social muito importante”.
“Foi e é um momento muito importante para o jornalismo, num contexto global de informação. Fiz muitas reportagens para o Brasil com o olhar de quem está fora”, conclui Ribeiro.
Foto: Humphrey Muleba no Unsplash
Lizzie Nassar é brasileira e trabalhou como produtora executiva, repórter investigativa e apresentadora, em canais de televisão do Brasil. Vive atualmente em Lisboa como freelancer e tem uma produtora storytelling (atencaocomunicacao.pt).