Dicas para cobrir o extremismo antidemocrático

porDevin WindelspechtJul 21, 2023 em Combate à desinformação
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O extremismo antidemocrático, alimentado pela desinformação em torno das eleições, está em ascensão no mundo todo.

Mais notadamente, em 6 de janeiro de 2021, apoiadores do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump atacaram o Capitólio para tumultuar a transferência pacífica de poder para o presidente Joe Biden. No Brasil, vídeos do que agora é conhecido como os Ataques de 8 de Janeiro, durante o qual apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro invadiram o Supremo Tribunal Federal e prédios do Executivo e do Legislativo, espelham muito de perto a tentativa de golpe de 6 de janeiro de 2021 nos Estados Unidos.

 

 

Menos violento, mas ainda assim severo, o ataque a instituições democráticas também aconteceu recentemente no México e em El Salvador, entre outros países.

Com o crescimento do extremismo antidemocrático, jornalistas em diferentes países precisam responder a muitas das mesmas questões. Como aqueles que instigaram as insurreições no Brasil e nos Estados Unidos vão ser responsabilizados? Como lutamos contra as vastas quantidades de desinformação rondando os eventos antidemocráticos? Como podemos comunicar melhor aos leitores a severidade das ameaças à democracia?

Para responder a essas questões, falei com Meg Kelly, repórter de vídeo na equipe de vídeo forense do Washington Post, e Ryan Reilly, repórter de justiça da NBC News. Ambos cobriram o 6 de janeiro nos Estados Unidos e seus desdobramentos. A seguir estão os conselhos deles: 

Crie uma linha do tempo visual dos eventos

Eventos como o 6 de janeiro nos Estados Unidos e o 8 de janeiro no Brasil acontecem de repente e inesperadamente, e podem dificultar para os jornalistas comunicar às suas audiências o que aconteceu exatamente. 

Uma forma de superar isso é criar uma linha do tempo visual dos eventos, assim como fizeram Kelly e sua equipe de vídeo forense após a tentativa de golpe de 6 de janeiro. Kelly usou imagens postadas online e feitas por repórteres para colocar os acontecimentos em sequência, verificando a marcação de data e hora dos vídeos para ver exatamente quando os manifestantes invadiram o Capitólio e o quão perto eles estiveram de chegar aos deputados e senadores. 

Kelly e sua equipe criaram mais tarde uma documentação visual de questões mais complexas, por exemplo, como as forças de segurança tentaram conter o ataque. Em uma matéria, Kelly acessou comunicações da polícia no dia da insurreição, que revelaram falhas de planejamento que permitiram que os manifestantes invadissem o Capitólio.

Ser capaz de apontar para evidências concretas também pode reforçar sua reportagem, principalmente com pessoas que têm menos confiança na mídia. "Contar com evidência em vídeo com carimbos específicos de data e hora e contar com fotos que têm metadados claros, e ser capaz de juntar todas essas peças para as pessoas de um jeito que não seja a memória de alguém ou algo que uma fonte de inteligência te disse pode ajudar a melhorar a confiança", explica Kelly.

"Eu percebi com o meu próprio trabalho que usar essas peças de evidência concreta pode ser uma forma de realmente se conectar com as pessoas."

Fique de olho nos processos criminais

Na NBC News, Ryan Reilly focou na resposta do Judiciário ao 6 de janeiro. "Uma das coisas que ficou clara sobre os primeiros dias, e que eu teria em mente se estivesse olhando para o que está acontecendo no Brasil, é que nós não sabíamos realmente a extensão completa de quantas pessoas uma investigação criminal poderia potencialmente envolver", disse Reilly. 

Por exemplo, nos primeiros dias após a insurreição, Reilly conta que estimava-se que em torno de 800 pessoas tinham entrado no Capitólio, quando na realidade os números ultrapassavam as 2.000. No Brasil, a escala foi ainda maior: estimativas do governo brasileiro sobre o número de manifestantes que invadiram os prédios do governo estão em torno de 5.000.

Cobrir processos criminais também pode ajudar a determinar quem está e quem não está sendo responsabilizado pelos eventos. Os organizadores e instigadores estão sendo processados, ou somente quem tem menos poder e menos responsabilidade?

Nos Estados Unidos, a maioria dos acusados por invadir o Capitólio foi condenada somente por crimes de contravenção, como conduta desordeira. Enquanto isso, investigações do Congresso e de uma comissão especial sobre as mentes por trás dos golpes e instigadores ainda não levaram a nenhuma acusação criminal.

Preste atenção no papel dos militares e forças de segurança

Jornalistas devem observar o papel desempenhado por militares e forças de segurança. Muitos dos manifestantes dos Estados Unidos pertenciam a um desses dois grupos. "Nós tivemos oficiais da ativa da marinha que foram ao Capitólio. Tivemos policiais - na ativa e aposentados - que estiverem envolvidos nos ataques de 6 de janeiro", diz Reilly.

Da mesma forma, no Brasil, muitos policiais simplesmente ficaram parados enquanto os manifestantes atacavam o Supremo e os outros prédios. "Eu acho que isso é certamente algo em que eu me interessaria – a polícia minimizando a ameaça devido à política ou basicamente ficar do lado das pessoas que invadiram o Capitólio porque compartilham o mesmo ponto de vista político", diz Reilly.

No Brasil, a polícia rodoviária foi acusada de encenar bloqueios ilegais de estradas para impedir o acesso às urnas no Nordeste do país, tradicionalmente um reduto do Partido dos Trabalhadores, do presidente Lula. Ao mesmo tempo, militares de alto-escalão das forças armadas brasileiras, que são ostensivamente apartidárias, fizeram campanha abertamente para reeleger Bolsonaro, e permitiram que manifestantes anti-Lula apoiadores de um golpe militar acampassem na frente do quartel do exército entre a eleição e a posse presidencial.

Apesar disso, até o momento não houve nenhuma medida no Brasil para remover os membros das forças armadas envolvidos nos ataques de 8 de janeiro.

Use linguagem precisa para combater a desinformação

A desinformação inspirou a tentativa de golpe do 6 de janeiro nos Estados Unidos e também se proliferou online após a insurreição, com o objetivo de criar confusão sobre o que de fato aconteceu. "O que chamamos de 6 de janeiro foi por causa de teorias da conspiração", diz Reilly. "E agora há um monte de teorias da conspiração sobre o 6 de janeiro em si." 

Falsas alegações segundo as quais os chamados "agentes do estado profundo", como o FBI, foram os responsáveis, e insinuações de que a insurreição foi na verdade encenada pelo movimento antifa foram comuns nos dias e semanas após o ocorrido. Esforços similares aconteceram no Brasil, com redes de TV pró-Bolsonaro, como a Jovem Pan, dando espaço para figuras que propagavam a desinformação sobre os responsáveis pelos ataques de 8 de janeiro.

Uma medida que jornalistas podem tomar para combater a desinformação em torno do extremismo antidemocrático é rotular corretamente os manifestantes de acordo com as ações realizadas no dia. "Nós nos sentimos confortáveis em dizer que as pessoas que entraram no Capitólio se envolveram no tumulto", diz Kelly. 

Ela acrescenta que ser específico no uso da linguagem é tão importante quanto. "Eu não acho que podemos dizer que cada pessoa que entrou no Capitólio tinha essas crenças extremas. Por isso, na maioria das vezes, nós dizíamos algo como 'um apoiador de Trump' ou 'uma pessoa que achava que a eleição tinha sido fraudada'."

Foque naqueles com mais responsabilidade

Evitar futuras ações antidemocráticas requer responsabilizar aqueles que organizaram as insurreições. Jornalistas podem desempenhar um papel fundamental nisso. "As forças subjacentes em termos de retórica das redes sociais até o dia anterior [aos ataques] é algo que eu sugeriria aos jornalistas brasileiros que ficassem de olho", diz Kelly. "Comece a pensar sobre quem eram os líderes dos diferentes grupos envolvidos na promoção dos protestos tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos e alguns dos momentos mais violentos." 

Por fim, manter a atenção do público nos riscos que os organizadores da insurreição impõem à democracia é fundamental para evitar a situação que Reilly descreve como "um sapo em água fervente", na qual eventos cada vez mais antidemocráticos somem rapidamente dos olhos do público.

"Há essa tentação de seguir em frente", diz Reilly. "Mas isso só mostra o que o poder pode fazer. São as pessoas que estão no lado fraco da corda que estão suportando o peso das consequências do que aconteceu naquele dia."


Este recurso é parte de um kit de ferramentas de cobertura de eleições e como identificar desinformação, produzido pela IJNet em parceria com o Chequeado e o Factchequeado, com apoio do WhatsApp. A produção dos vídeos foi feita em parceria com Aos Fatos, Comprova, Estadão Verifica e Lupa.

Foto por little plant via Unsplash.