Por que repórteres e redações devem usar geodados

por Gustavo Faleiros
Oct 30, 2018 em Jornalismo de dados
Gustavo Faleiros

Quando os repórteres da agência O Eco analisaram dados de satélite em agosto, eles encontraram um aumento 220 por cento de corte raso na Amazônia em relação ao ano anterior.

A matéria não teria sido contada ​​se não fosse pelo uso de geodados, um recurso de valor inestimável para encontrar padrões em notícias, mas muitas vezes negligenciado por repórteres e redações.

Para dar o furo, a equipe O Eco analisou os relatórios mais recentes do sistema DETER, um serviço que o governo brasileiro usa para conter o desmatamento local. Veículos de notícias em todo o mundo pegaram a notícia. Eu ajudei a equipe a visualizar as informações em um mapa interativo e um gráfico simples de pizza, como parte do meu trabalho de bolsista do Knight International Journalism Fellowship.

Como repórter brasileiro que começou a cobrir o desmatamento na Amazônia há 10 anos para o jornal Valor Econômico, percebi que não havia nada mais inovador e poderoso do que criar um contexto rico para o leitor através da sobreposição da notícia específica por localização com dados sobre desmatamento e incêndios florestais. Estes dados estão disponíveis devido a anos de pesquisa com os satélites de observação da Terra por parte do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) do Brasil e da Administração Nacional da Aeronáutica e do Espaço (NASA) dos Estados Unidos e outras agências espaciais.

Em junho passado, o programa Knight International Journalism Fellowships, em parceria com O Eco e a Internews, lançou a InfoAmazonia, uma plataforma que agrega e notícias e grandes quantidades de dados sobre a degradação ambiental nesta parte vital do nosso planeta. Na ocasião do lançamento, estavam disponíveis apenas os dados sobre o desmatamento no Brasil. Mas este mês, a InfoAmazonia se juntou com a Terra-i, um projeto de várias ONGs que detecta mudanças na cobertura terrestre resultantes de atividades humanas, quase em tempo real. Esta parceria vai estender a análise de dados de desmatamento na InfoAmazonia para a Bolívia, Colômbia, Equador, Peru, Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa.

Agora mais do que nunca, os jornalistas devem adotar o uso de geodados. Através da Open Government Partnership (ou Parceria para Governo Aberto), 150 países assumiram o compromisso de tornar seus dados públicos e pesquisáveis. Isso significa que uma grande quantidade de informação sobre concessões de petróleo e mineração em países membros está sendo liberada. A necessidade de jornalistas para análise e investigação desses dados é urgente. Muitas histórias antes escondidas até recentemente estão prontas para serem encontradas -- contanto que redações dediquem recursos para a mineração de dados.

Simplesmente usando ferramentas gratuitas como a Google Earth, o QGIS ou muitas outras plataformas de mapeamento interativo para visualização de dados, jornalistas podem obter uma boa quantidade de ideias de reportagem. Naturalmente, quanto mais viagens de investigação no campo podem fazer em conjunto com a análise, melhor.

Fazer mapas é algo semelhante a descascar uma cebola. Mapas são construídos em camadas de informações. Ao combinar as camadas, você recebe as mensagens visuais que nos dizem sobre o poder militar, a degradação ambiental ou simplesmente as áreas comerciais.

A democratização do mapeamento, através do Google Map e de aplicativos de localização como o Foursquare, está mudando a nossa relação com a localização em um ritmo incrível. Com os tradicionais mapas físicos, as pessoas assumem que estão olhando uma simples representação de um lugar. Mas, com esses mapas, as pessoas esperam poder interagir com o próprio geodado. Você não precisa mais ver um mapa para obter a informação que lhe interessa em um local específico. Você só precisa ligar o GPS e as informações chegam a você e fluem de você.

Os jornalistas estão chegando tarde para a festa. Enquanto as redes sociais estão rapidamente fazendo avanços no mapeamento da localização das pessoas e dando-lhes informação categorizada geograficamente, as organizações de mídia não têm transformado o seu próprio conteúdo em camadas de informação que podem ser combinadas com dados de satélite ou outro mapeamento científico de grande escala. Espero que o trabalho que estamos fazendo através da InfoAmazonia irá acelerar esta mudança.


Gustavo Faleiros é jornalista ambiental e instrutor especializado em jornalismo de dados. Ele é um bolsista do Knight International Journalism Fellowship baseado no Brasil. Siga-o no Twitter.

Foto cortesia de Gustavo Faleiros